O meu artigo para o "Noticias do Vale" no dia 25 de Fevereiro de 2010
100 Anos de República
Um outro olhar sobre a 1ª República II
(Continuação da edição anterior)
Mas se o meu caro leitor pensa que a 1ª República era hostil só para com a Igreja católica, bem pode ir tirando daí o sentido. De facto, todo aquele que não se mostrasse favorável ao novo regime, arriscava-se a sofrer represálias de toda a ordem. Não forma raros os casos de monárquicos presos apenas pelas suas convicções, que, se o regime fosse verdadeiramente democrático, eram livres de as terem. Mas, só para terem ideia daquilo que foi a “democracia” da 1ª República, vou só aqui deixar alguns exemplos, alguns deles verdadeiramente bizarros e inacreditáveis aos olhos de hoje. Como é óbvio, a “história oficial” da República não conta episódios destes, mas o facto foi que os mesmos aconteceram. Vejamos o caso do extinto jornal o “Novidades”, que se atreveu a criticar as politicas anticlericais de Afonso Costa, e por isso viu uma das suas edições apreendidas. Aqui está um claro exemplo da falta de liberdade de imprensa. Um outro caso insólito, ridiculo até, foi aquando da fundação no ano de 1921 da Banda Nova de Fermentelos, uma filarmónica ainda hoje existente no concelho de águeda, em que o então administrador do concelho queria apreender a bandeira que tinha sido escolhida para simbolo da banda, apenas por esta ter as cores azul e branca que, por acaso, eram as cores da bandeira da monarquia, abolida com a adopção da nova bandeira nacional em 1911. Tal apreensão acabou por não se concretizar devido á astúcia e persistencia do maestro e dos músicos de então. Um desses músicos, com dotes para a poesia, fez então uma quadra, que resume todo o episódio que se viveu:
“Ó grande administrador
A bandeira querias ver
Não ta quiseram mostrar
Tiveste que te render”
Infelizmente, não foi só o “Novidades” que teve problemas com a “censura democrática” Outros jornais, como foi o caso,entre outros, do “Diário da Tarde” do Porto e o “Jornal de Elvas” viram as suas portas encerradas por motivos puramente politicos. Também em 1919 todos os jornais de linha monárquica existentes em Lisboa foram encerrados pelo governo.
Em 1911 o Circulo dos Católico de Operários foi apedrejado em Gaia. Nesse mesmo ano, Sampaio Bruno, uma das grandes figuras do 31 de Janeiro foi enviado para o exilio em Paris, apenas por ter escrito que a cidade do Porto se encontrava numa situação intolerável. Anos mais tarde, Sampaio Bruno viria a ser alvo de ameaças por parte da carbonária, por se ter mostrado desagradado com a situção politica portuguesa.
E continuava a perseguição á Igreja. No ano de 1912 o Bispo de Portalegre foi expulso da sua diocese. Também em Sto Tirso, a prisão de dois sacerdotes motivou protestos de indignação por parte do povo.
Uma outra coisa é conveniente dizer: quando a república foi implantada, não pense caro leitor, que foi porque a maior parte da população era republicana. O país rural, ou seja a provincia, era profundamente católica, conservadora e fiel ao rei. Os republicanos então existentes eram algumas dezenas de intelectuais de lisboa e do Porto, umas escassas centenas de anarquistas e pouco mais. Estima-se que entre 1911 e 1913 haviam, num país com 5 milhões de habitantes, 300 000 republicanos, e foram estes que impuseram a república á maioria do povo luso, a quem consideravam de analfabetos e atrasados, e por isso, eram irrelevantes…
(continua na próxima edição)
23/02/10
12/02/10
Um outro olhar sobre a 1ª República
“Uma coisa é comemorar os 100 anos da República, outra é celebrar a 1ª República”. Esta frase, proferida recentemente pelo Dr Paulo Portas em Guimarães serviu-me de mote para a crónica de hoje, em que pretendo falar um pouco sobre a “Outra face” da 1ª República, que a maioria das pessoas, vá-se lá saber porquê, desconhecem. Quando em 4 de Outubro de 1910 rebentou a revolução republicana em Lisboa, o chefe civil do movimento, Dr Miguel Bombarda, cujo nome figura em inumeras ruas e avenidas do nosso país, tinha sido assassinado de véspera por um doente mental. Como o movimento saiu para a rua de forma caótica e desorganizada, o chefe militar deste, Almirante Cândido dos Reis, vendo esta situação e pensando que tudo estava perdido, suicida-se. Assim, num espaço de 24 horas, a revolução perdia os seus principais chefes. Mas para que a revolução triunfasse, foi decisiva a acção do comissário naval Machado Santos, que viria a ser assasinado 11 anos mais tarde na “noite sangrenta” de 19 de Outubro de 1921, juntamente com António Granjo e Carlos da Maia, de quem se falará numa edição posterior. Machado Santos agiu de maneira inteligente, concentrando as suas tropas na rotunda do Marquês de Pombal, e após uma longa espera, desceu a avenida, sendo aclamado no Rossio, tendo depois subido á varanda da Camara Municipal de Lisboa proclamar a implantação do novo regime. O que não é costume dizer, é que a resistencia das forças afectas á monarquia estavam desorganizadas, e por isso a reacção não foi a melhor. Apenas Paiva Couceiro, herói das campanhas de África, se destacou na parca resistencia que houve ao movimento. Portanto, a vitória das forças republicanas ficou-se a dever em grande parte á desorganização das forças monárquicas. Enquanto estes acontecimentos decorriam, o rei D. Manuel II tinha saído do Palácio das Necessidades, quando este começou a ser bombardeado por navios revoltosos estacionados no Tejo, tendo ido para Mafra, onde recebeu a noticia de que em Lisboa “tudo estava consumado”. Partiu para a Ericeira, onde embarcou para um definitivo exilio. A 5 de Outubro, o país atónito, recebeu por telegrafo a noticia de que a republica se havia implantado. E assim, Portugal passou a ser uma república “democrática”. O partido republicano, que se intitulava como democrata, e que se proclamava fazer a revolução em nome da democracia, foi tudo menos democrata, por duas razões fundamentais: Primeiro, porque impôs uma mudança de regime ao povo português sem o consultar, talvez temendo saber a opinião da maioria dos portugueses. Em segundo lugar, recorreu ás mais tenebrosas formas de ditadura e até de terrorismo, fazendo inumeras prisões sem culpa formada, exilando, espancando e muitas vezes matando quem se lhe opunha, como era o caso da Hierarquia da Igreja católica, que foi talvez a instituição que mais sofreu com a 1ª república. Logo no 5 de Outubro houveram sacerdotes assassinados como foi o caso, entre outros, do Padre Barros Gomes e dos dois padres Lazaristas. O então bispo do Porto, D. António Barroso, cujo processo de beatificação se encontra a decorrer, sofreu o exilio, os bens das ordens religiosas foram nacionalizados, caindo muitos dos seus melhores edificios nas mãos de particulares, acabando boa parte deles por ficar entregue ao abandono e á degradação. Ainda hoje, se visitarmoos algumas igrejas sobretudo no norte do país, podemos ver a completa ruina de muitos edificios. A liberdade religiosa, ou melhor, a falta dela, chegou a tal ponto que chegaram a ser proibidas as procissões e até mesmo o toque de sinos das igrejas. Se isto era Democracia e liberdade, então eu não sei o que é… (Continua na Próxima edição) |
03/02/10
A Revolta do 31 de Janeiro
No ano em que a República Portuguesa comemora o seu primeiro centenário, irei dedicar algumas das minhas crónicas á história do republicanismo português. A nossa república, ao longo destes cem anos teve, como qualquer instituição politica, os seus altos e baixos, as suas coisas boas e más. Discutir a república ainda hoje gera polémica, controversia e acesas discussões. Sobre a república muito se tem escrito, muito se tem falado, muito se tem discutido, no entanto a história é feita de factos, e o facto é que a primeira república acabou por se tornar um autentico fracasso, muito por culpa das “intentonas” dos monárquicos, como foram os casos de Paiva Couceiro e Pimenta de Castro, e também por outros factores, que posteriormente serão abordados neste espaço.
Mas não faria sentido abordar o tema da república sem primeiro falar na pouco conhecida mas na não menos importante revolta do 31 de Janeiro.
Quando saímos na estação ferroviária de S. Bento na cidade do Porto, e subimos a rua que vai da Igreja de Sto António dos Congregados á Igreja de Sto Ildefonso, vemos hoje uma rua normal, cheia de lojas, com um transito intenso, enfim uma rua pacifica como outra qualquer. Contudo naquele 31 de janeiro de 1891 aquela rua foi tudo menos pacifica.
A 30 de Janeiro uma comissão revolucionária, liderada, entre outros, por figuras como João Chagas, Sampaio Bruno, Dr Alves da Veiga, Capitão Leitão e pelo célebre Alferes Malheiro decidiu avançar com o processo de levantamento militar das tropas nas horas seguintes. Na madrugada de 31 de Janeiro o Batalhão de caçadores Nº 9, comandado por Sargentos, subleva-se e dirige-se para o campo de Sto Ovidio, onde chega o Alferes Malheiro, que desta forma adere á revolta. Outras forças militares, nomeadamente de infantaria e cavalaria ali se juntaram, juntamente com alguns elementos da guarda Fiscal. Os primeiros momentos que se seguiram foram de surpresa para as forças fiéis á monarquia, mas passado pouco tempo estas organizam-se e ocupam estratégicamente o alto da rua de Sto António, hoje rua 31 de Janeiro.As forças revoltosas tomaram entretanto uma atitude que acabaria por se revelar fatal, uma vez que acreditaram que não haveriam confrontos e só quando os primeiros disparos é que prepararam as suas defesas. No meio destes confrontos, ouviam-se os acordes da marcha “A Portuguesa”, uma obra musical escrita contra o célebre Ultimatum, e entretanto proibida pelo regime vigente, os revoltosos lutaram com coragem e bravura contra as hostes monárquicas.
Enquanto tudo isto decorria, o Dr Alves da Veiga, rodeado pelos seus camaradas republicanos, proclamava da varanda da Câmara Municipal do Porto a extinção da monarquia em Portugal e a constituição do Governo provisório da república.
A Guarda Municipal deu então inicio a um feroz tiroteio, pondo em debandada a resistencia republicana, tentando esta ainda opor resistencia, mas acabaria por ser derrotada pela artilharia. Para os heróis do 31 de Janeiro restava a prisão e o exilio. Só quase 20 anos depois, a república acabaria finalmente por implantar-se, e desta vez não haveria força capaz de reprimi-la.
No cemitério do Prado do Repouso, situado na rua do Heroismo ergue-se Hoje um monumento aos “Vencidos do 31 de Janeiro”, repousando ao lado deste num modesto tumulo o Alferes Malheiro.
Uma interessante exposição permanente sobre a revolta republicana está patente no Museu Militar do Porto, também situado na rua do Heroismo, que merece bem uma visita atenta e cuidada.
Publicada no Jornal "Noticias do Vale" no dia 28 de Janeiro de 2010
Mas não faria sentido abordar o tema da república sem primeiro falar na pouco conhecida mas na não menos importante revolta do 31 de Janeiro.
Quando saímos na estação ferroviária de S. Bento na cidade do Porto, e subimos a rua que vai da Igreja de Sto António dos Congregados á Igreja de Sto Ildefonso, vemos hoje uma rua normal, cheia de lojas, com um transito intenso, enfim uma rua pacifica como outra qualquer. Contudo naquele 31 de janeiro de 1891 aquela rua foi tudo menos pacifica.
A 30 de Janeiro uma comissão revolucionária, liderada, entre outros, por figuras como João Chagas, Sampaio Bruno, Dr Alves da Veiga, Capitão Leitão e pelo célebre Alferes Malheiro decidiu avançar com o processo de levantamento militar das tropas nas horas seguintes. Na madrugada de 31 de Janeiro o Batalhão de caçadores Nº 9, comandado por Sargentos, subleva-se e dirige-se para o campo de Sto Ovidio, onde chega o Alferes Malheiro, que desta forma adere á revolta. Outras forças militares, nomeadamente de infantaria e cavalaria ali se juntaram, juntamente com alguns elementos da guarda Fiscal. Os primeiros momentos que se seguiram foram de surpresa para as forças fiéis á monarquia, mas passado pouco tempo estas organizam-se e ocupam estratégicamente o alto da rua de Sto António, hoje rua 31 de Janeiro.As forças revoltosas tomaram entretanto uma atitude que acabaria por se revelar fatal, uma vez que acreditaram que não haveriam confrontos e só quando os primeiros disparos é que prepararam as suas defesas. No meio destes confrontos, ouviam-se os acordes da marcha “A Portuguesa”, uma obra musical escrita contra o célebre Ultimatum, e entretanto proibida pelo regime vigente, os revoltosos lutaram com coragem e bravura contra as hostes monárquicas.
Enquanto tudo isto decorria, o Dr Alves da Veiga, rodeado pelos seus camaradas republicanos, proclamava da varanda da Câmara Municipal do Porto a extinção da monarquia em Portugal e a constituição do Governo provisório da república.
A Guarda Municipal deu então inicio a um feroz tiroteio, pondo em debandada a resistencia republicana, tentando esta ainda opor resistencia, mas acabaria por ser derrotada pela artilharia. Para os heróis do 31 de Janeiro restava a prisão e o exilio. Só quase 20 anos depois, a república acabaria finalmente por implantar-se, e desta vez não haveria força capaz de reprimi-la.
No cemitério do Prado do Repouso, situado na rua do Heroismo ergue-se Hoje um monumento aos “Vencidos do 31 de Janeiro”, repousando ao lado deste num modesto tumulo o Alferes Malheiro.
Uma interessante exposição permanente sobre a revolta republicana está patente no Museu Militar do Porto, também situado na rua do Heroismo, que merece bem uma visita atenta e cuidada.
Publicada no Jornal "Noticias do Vale" no dia 28 de Janeiro de 2010
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